segunda-feira, 1 de junho de 2009

Les Jeux sont faits

Eu, Laszlo Zilagy, húngaro, nascido por volta de 1975, mas tendo vivido os meus 3 minutos de fama no século XVIII - ou talvez no início do século XIX -, queria por este meio dar a conhecer a minha experiência de vida, tanto para descanso da minha alma como para satisfação do meu temperamento: que me leiam ou não, pouco importará, a posteridade pode e deve existir para além do reconhecimento. O que não é lido não deixa, como que por magia, de existir.

Tenho a sorte, ao contrário de muita gente, de conhecer com perfeição o meu Criador. Baptizou-me um Sr. Kubrick, embora se diga que me deu à luz um Sr. Thackeray. Todos nós nascemos, alguns passámos pelo Baptismo, nisto não me parece haver grande novidade. Encarnou-me um Sr. O'Neal e nele vivi em conversa com Monsieur le Chevalier de Balibari.

Sei, pois, quem me fez a mim, mas acima de tudo quem construiu o meu Universo. Entre o Sr. Thackeray e o Sr. Kubrick, e algures na leitura do primeiro pelo último, vim ao mundo para viver na Intersecção. Há em mim algo que serve a toda essa gente de 1975 (e daí em diante), como também me atravessa, julgo eu, uma qualquer narrativa sobre o passado. Não me vejo capaz de discorrer sobre isso, talvez seja uma questão a pôr ao Sr. O'Neal e à sua relação com o desconfortável guarda-roupa, o interior dos palácios, os cheiros a perfume e pó de arroz, e a observação, pela janela, dos jardins de recorte iluminista.

O tal de Sr. O'Neal deu corpo e voz a Redmond Barry, jovem impetuoso, cuja série de felizes infortúnios o levaram à condição - ou possibilidade - de desembocar na minha pessoa. Foi-me também dito que precedo, tanto em narrativa como em actor, um Sr. Barry Lyndon, de Castle Lyndon, e suas infelizes fortunas, das quais nada sei.

Como devem já saber, fui posto ao serviço do Ministro da Polícia, por intermédio do Capitão Potzdorff, para vigiar o Chevalier de Balibari, célebre Jogador, famigerado libertino, possível espião: é no espaço e na duração desta conversa que, infelizmente, decorre toda a minha existência. Sou a mentira e o oportunismo de Redmond, sou a promessa de Lyndon; sirvo o Estado mas ele não vive dentro de mim; faço da vida um jogo e em breve fará ela um jogo de mim. Desapareço no momento em que reconheço no libertino o meu conterrâneo, o espelho da minha forma de existir. O meu breve instante de vida é aquele em que Laszlo Zilagy, simulacro do Estado com função de vigilância (apêndice do olho que tudo vê porque tudo ilumina), se identifica com aquilo que deve denunciar.

Penso estar bem posicionado, já que vou revivendo este meu instante todos os dias, para dar conta das estratégias deste nosso Estado que não pára de crescer, e das linhas por que se cosem estes homens infames que parecem enxamear o nosso século.

O leitor já deve ter percebido que nada disto passa de mentira, ilusão ou simulação. Pois bem, a vós, senhores do século XX em diante, resta-vos escolher...! Sou uma criação vossa, do vosso tempo, para vocês. Levando-me a sério, poderá isto parecer-vos entretenimento? Levando-me na brincadeira, numa perspectiva jocosa, poderá tudo o que se segue tornar-vos o espírito grave? A polícia, para funcionar, precisou de uma estranha empatia com o libertino; o jogo nunca se concebeu fora de um propósito disciplinar. Poderá esta simulação que encarno abrir caminho para um conhecimento disciplinado de um tempo que vocês gostariam de imaginar?

O vosso,

Laszlo.

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